A síndrome na Endocrinologia






Como a alteração cromossômica está no par de cromossomos sexuais, é natural que a síndrome tenha os efeitos mais sentidos na produção dos hormônios masculinos, sendo o principal deles a testosterona.
Ossos e crescimento
Em palestra denominada Growth and Development in XXYY Boys, na conferência sobre variações de X e Y de 2009 em Los Angeles, o endocrinologista e geneticista argentino Rodolpho Rey mostrou como duas cópias extras dos genes denominados SHOX se comportam no crescimento dos ossos.
Esses genes estão nas partes superiores dos cromossomos X e Y e em boa parte das duplicações, eles ficam ativados. Eles carregam informações relacionadas à quantidade de cartilagem que reveste a ponta dos ossos e que os permite crescer. Quanto mais cartilagem, maior a possibilidade de o indivíduo crescer.
Quando o pediatra ou o endocrinologista pedem aquela radiografia da mão para checar a idade óssea de uma criança ou adolescente, o espaço entre os ossos mostra, na verdade, o tanto de cartilagem que ainda deve “crescer” sendo transformada em osso. Ou seja, quanto mais os ossos das mãos estão espaçados (ou abertos) menor a idade óssea e mais a criança ainda deve crescer. No caso dos meninos com 48 XXYY, a idade óssea geralmente vem bem abaixo da idade cronológica, mesmo já sendo crianças altas.
Na vida adulta, a cartilagem praticamente não existe mais. A regulação do crescimento começa a acontecer na puberdade, que dura de três a cinco anos, com a incidência do hormônio que controla o “endurecimento” da cartilagem: a testosterona. Como a testosterona é bastante reduzida ou até nula em indivíduos XXYY, esta é a razão do crescimento exagerado dos portadores da síndrome.
No mundo inteiro, adolescentes com a síndrome de Klinefelter e variantes, como XXYY, são candidatos fortes à terapia de reposição hormonal de testosterona (TRT).
Hipogonadismo
Chamamos a redução ou inatividade na secreção hormonal das gônadas (testículos e ovários) de hipogonadismo.
Essa baixa produção de hormônios pode ter duas origens distintas: o tipo primário é uma falha observada na produção de testosterona dos testículos. As causas podem ser a síndrome de Klinefelter (e variações), orquites (inflamação dos testículos), criptorquia (testículos retraídos) e outros.
O secundário é proveniente do cérebro, podendo ser causado por síndrome de Kallmann, tumor hipotalâmico ou pituitário, trauma cerebral e outros.
O hipogonadismo é diagnosticado após verificação do serum T total e caso os sinais e sintomas clínicos apontem para a condição. Se o serum T total for menor que 300 ng/dL2 o paciente é considerado em hipogonadismo.
A Sociedade de Endocrinologia dos EUA aponta os seguintes sinais específicos de hipogonadismo:
- Desenvolvimento sexual incompleto ou retardado;
- Perda de pêlos axilares e pubianos
- Testículos com tamanho abaixo do verificado na população em geral.
Já os sinais inespecíficos são:
- Menos energia e autoconfiança
- Sentimento de tristeza ou humor deprimido
- Pouca memória e concentração
- Distúrbios do sono e sono diurno
- anemia leve e sem outras causas
- aumento da gordura corporal e do IMC
Puberdade
Veja acima a entrevista da Dra Adriana Lofrano, endocrinologista do Hospital Universitário de Brasília, ao nosso canal do Youtube, Papo de Cromossomos, sobre as principais questões relacionadas à síndrome
A puberdade é uma fase particularmente desafiadora para os portadores da Síndrome XXYY. Não só pela altura (estirão) mas também pela reposição hormonal e as questões psíquicas próprias da idade. Nesta palestra, a Dra. Nicole Tartaglia explica como e quando se dá a reposição hormonal:
Medical Problems and Medical Follow-up in XXYY Syndrome
Vale a pena conferir, porque é uma das únicas palestras inteiramente dedicadas aos meninos com 48 cromossomos, sendo 2 X e 2 Y.
Testosterona
Na última conferência sobre alterações cromossômicas em Atlanta, a Dra Shanlee Davis disse que, nesta área, há uma similariedade de tratamento dos pacientes com XXYY e XXY, consideradas individualmente as demais características físicas que podem comprometer um pouco mais o primeiro grupo. Ela explicou que a primeira evidência do aumento de testosterona é o aumento dos testículos.
Normalmente, a glândula pituitária envia mensagens conhecidas como os hormônios FSH e LH. O primeiro “conversa”com as células dos testículos responsáveis por produzir o esperma. O LH, por sua vez, cobra a produção de testosterona. Da mesma forma que a mensagem desce para os testículos, ela sobe na forma de feedback para a pituitária.
No caso de uma produção normal de testosterona, a pituitária mantém o nível desejável de LH para fazer a testosterona ir ocupando o corpo e a puberdade vai ocorrendo normalmente, sem necessidade de intervenção.
Os efeitos são vistos nos receptores de testosterona pelo corpo: a pele, os músculos, as cordas vocais, mudanças de humor, genitália e libido, funções cerebrais, etc.
Na puberdade dos meninos com 48XXYY, a glândula pituitária não recebe informação de que a produção de testosterona está normal, então ela começa a mandar cada vez mais “mensagens”, ou LH, para que os testículos produzam, produzam, produzam. E os testículos, muitas vezes conseguem produzir dentro do esperado por algum tempo, até que eventualmente deixam a produção cair.
Em média, apesar de não haver dados específicos para XXYY, um estudo da Dra Judy Ross mostrou que no primeiro ano de puberdade os meninos mantiveram hormônios FSH subindo até acima da média por um ano, e depois disso, houve a redução.
No caso do LH, o período de subida foi de dois anos desde o início da puberdade e depois vem a queda na produção. Davis ressalta que cada caso é único, não significando que todos os adolescentes terão essas mesmas características.
O ideal, em termos de medição, é ter um LH relativamente baixo para uma testosterona compatível. À medida que o LH começa a subir além do esperado, é hora de considerar a reposição de testosterona.
Quais as diferenças fundamentais da puberdade dos dois grupos? Com o estudo de Ross ficou patente que pêlos pubianos tendem a aparecer antes do aumento dos testículos, assim como muitas vezes nas meninas os pêlos aparecem antes do aumento dos seios nas meninas. Possivelmente a glândula adrenal está produzindo hormônios que produzem os pêlos pubianos antes de testículos começarem a efetiva produção de testosterona.
Mas nada é uma regra. Há crianças que mostram uma produção de testosterona em crescimento quando a glândula adrenal ainda está “dormente”. A adrenal (também conhecida como suprarrenal) é coajuvante na testosterona – que têm nos testículos a principal produção – mas ela é fundamental em outras áreas de puberdade, como, por exemplo, na produção de pêlos e suor mais marcante, além de outras marcas de virilidade.
Quando começar a reposição (TRT)

De acordo com os médicos Alan Rogol e Maria Vogiatzi, na conferência da AXYS on line, em junho de 2021, alguns sinais são dados para que os pais e cuidadores levantem um sinal de alerta: comportamento disruptivo, fadiga, ginecomastia, contagem alta de LH e a própria contagem de testosterona são indicativos, especialmente se forem simultâneos.
De acordo com o endocrinologista e pesquisador Claus Gravhold, no mesmo seminário, o maior indicativo é a alta produção de LH. Mas ele mesmo avisa: outros médicos vão esperar, além do pico do LH, a queda nos níveis da testosterona do próprio corpo.
O estudo corrente Brains, Genes, And Puberty (BGAP) mostra que há significativas alterações no cérebro que implicam alterações cognitivas tais como: habilidade em linguagem, disfunção motora, integração visual-motora deficiente, memória operacional, atenção e controle inibitório.
A estrutura cerebral e suas células têm receptores que esperam descargas de testestorona. Quando esse hormônio não vem, isso compromete o funcionamento da massa cinzenta, responsável pelo funcionamento cognitivo do indivíduo.
Efeitos da TRT
A busca por tratamento de testosterona começou em 1930 com a organoteratia, ou seja, a extração e administração de testículos de animais. Os primeiros medicamentos aprovados pela Food and Drug Administration (FDA) tinham uma fórmula conhecida como 17-a-methil-T e mostravam, como efeito colateral, aumento de toxinas no fígado.
Foi a partir de 1990 que a terapia de reposição de testosterona começou a se apresentar como a conhecemos hoje, por meio de injeções a cada duas semanas, testosterona intranasal, gel e adesivos de reposição hormonal. Alguns dos problemas relatados por pacientes desses três métodos de reposição incluem: a dor da injeção, o tempo para secagem do gel, irritações na gengiva, irritação nasal.
Uma das dúvidas centrais da comunidade de pais e cuidadores de Klinefelters e variações é sobre a reposição de testosterona, seus benefícios e riscos. É bom lembrar que, para o grupo desses pacientes, a reposição é feita a partir da adolescência e pode durar para toda a vida.
Benefícios
Os médicos são quase unânimes em dizer que a reposição é fundamental não só para os aspectos físicos, mas para a saúde mental. Vogol, por exemplo, lembra que a testosternoa interfere de maneira positiva na saúde dos ossos, e Vogiatzi vai além afirmando que o tratamento é um ganho em densidade óssea (o quão forte é o osso) e, portanto, reduz riscos de fratura e de osteosporose.
Se o tratamento é inciado tarde demais, os ossos podem ser mais fracos que o normal para o resto da vida. O mesmo efeito de “perda de prazo” pode ser sentido pelos pacientes com ginecomastia. Claus Gravhold sustenta que a administração no período correto impede o desenvolvimento das mamas e pode colaborar para redução da gordura abdominal. Ele também menciona o efeito do hormônio no cérebro – especialmente para evitar a depressão – e no sistema cardiovascular, protegendo o paciente dos riscos aumentados de trombose e embolia.
Malefícios
Da mesma forma que o LH sobe e o corpo não produz testosterona para equilibrar essa “balança”, o FSH, hormônio ligado à produção de espermatozóides, também é falho. Ou seja, a infertilidade é quase uma regra na síndrome de Klinefelter e nas outras aneuploidias. Se existe alguma chance de produção de espermatozoides, a reposição de testosterona dificulta ainda mais.
Na conferência de 2021 da Axys, o urologista Peter Schlegel, da faculdade de Medicina da Universidade de Cornell, disse que a terapia de reposição com testosterona apenas faz a produção de espermatozoide diminuir. Talvez os efeitos da combinação de testosterona com anastrozole e hCG possa reduzir esse efeito colateral. Schlegel aconselha a retirada cirúrgica de espermatozoides antes do início da reposição, embora reconheça que as taxas de sucesso em fertilização in vitro sejam pequenas com o material genético, quando extraído, e mesmo com a injeção injeção intracitoplasmática de espermatozoides (icsi).
Tipos de TRT
Injeções trimestrais, injeções diárias subcutâneas, spray nasal, gel dermatológico e, mais recentemente, comprimidos, são as formas normais de reposição de testosterona. As mais comuns são as injeções e o gel, sendo que este último tem a maior fatia do mercado nos EUA para adultos.
Vogol não aconselha o uso do gel, no entanto, no caso dos adolescentes que começam a TRT, pelo fato de a dose inicial ser bem menor do que o liberado em uma bombeada na embalagem. Para ele, essa possibilidade de gel deve ser considerada já em meados da puberdade, quando a dose vai aumentando de acordo com a necessidade do paciente.
Mesmo nas pílulas, segundo ele, a dose mínima seria grande demais para quem está iniciando o tratamento.
Pílulas

Sobre as pílulas, algumas marcas farmacêuticas já estão comercializando a testosterona oral nos Estados Unidos. Nesse caso, o Undecanoato de Testosterona (TU) le é administrado por meio de comprimidos duas vezes por dia (BID), durante a alimentação.
Ele é absorvido pelo intestino depois de carregado por lipoproteínas às células linfáticas desse órgão. No sistema linfático intestinal, o Jatenzo consegue pular (bypass) a primeira fase do metabolismo hepático, evitando sua inativação. O TU tem uma alta concentração lipídica (acido gorduroso) e por isso sua molécula é reconhecida como gordura no pequeno intestino.
Uma vez que as esterases atingem o sistema circulatório, elas liberam o TU para o organismo.
O médico Paresh Dandona, da State University of New York em Buffalo sobre o medicamento Jatenzo, da Clarus. A apresentação foi divulgada no Endo2020, congresso online da Sociedade de Endocrinologia dos Estados Unidos em junho de 2020. Link: https://endoonline.endocrine.org/pt-clarus
Importante ressaltar que o medicamento ainda não está em comercialização no Brasil e sua compra, nos Estados Unidos, requer receita emitida por médico associado aos conselhos profissionais daquele país.
Com a receita correta, é possível comprar por cerca de US$ 256,00/ mês.