Difícil arte de fazer amigos

Em seu Guia Completo sobre a Síndrome de Asperger’s, Tony Attwood se dedica ao estudo do comportamento social das pessoas afetadas. Veja algumas notas do livro:

Amizades

Apesar da habilidade intelectual, a maturidade social de uma criança com Asperger é geralmente dois anos atrasada em relação aos seus pares.

Tentativas corajosas de fazer amigos e aumentar a interação social podem ser ridicularizadas pelos pares, e a criança imatura e inocente portadora de Asperger pode ser deliberadamente excluída.

Essas crianças são extremamente vulneráveis quando zombadas, rejeitadas, humilhadas ou vítimas de bullying pelos colegas. Isso porque lidar com frustrações requer um esforço do lóbulo frontal, onde estão as funções executivas – área que já vimos ser deficitária nos meninos com 48XXYY e portadores de TEA em geral.

As crianças têm geralmente dificuldade de desenvolver um julgamento de caráter.

Enquanto crianças típicas conseguem saber quem não é uma boa referência, a criança com Asperger pode ser inocente em seu julgamento, e tende a imitar o comportamento daqueles que podem não ser uma boa companhia ou modelo a ser seguido.

Victoria Akvarel/Pexels

Busca incansável por amigos

A motivação para ter amigos têm cinco estágios: 

1 – Interesse no mundo físico e nos brinquedos (educação infantil)

2 – Querer brincar com outras crianças

3 – Fazer amigos

4 – Busca por um parceiro que compreenda as especificidades

5 – Encontrar um companheiro de vida (namorado (a), marido/esposa)

Faixas etárias de amizade

Dos três aos seis anos

A criança é egocêntrica e a aproximação e os conflitos são baseados na possessão de brinquedos, por exemplo. Se perguntadas o que fizeram no dia, provavelmente dirão com o que brincaram mais do que com quem.

As crianças com Asperger têm em mente como querem brincar e o que desejam alcançar, por exemplo, numa montagem de lego. Mas por causa da dificuldade de linguagem não comunicam ao amigo que está montando junto, e ficam irritadas quando ele não colocam as peças no lugar devido para alcançar o objetivo.

Dos seis aos nove anos

A criança se dá conta de que precisa de amigos para brincar e procura quem tem afinidade com ela. Nessa fase, a criança já entende como pode ferir os sentimentos do amigo, e sabe que comentários podem causar danos. Por isso ela começa a inibir ações e pensamentos. Sabe que algumas coisas ela pode pensar, mas não deve falar e diz “mentiras brancas” para não machucar as pessoas.

Boas ideias são encontrar crianças com o mesmo tipo de interesse, trabalhar no senso de humor, fazer a criança entender os círculos de relacionamento (e as hierarquias entre pessoas próximas e colegas mais distantes), treinar “o que não dizer”.

 Dos nove aos 13 anos

Tem um crescente interesse por companhia e maior seletividade e durabilidade nas escolhas de amigos.

Há um desejo grande de ser aceito pelos pares e de dividir experiências e pensamentos mais que brinquedos. O grupo de amigos ganha mais poder de fortalecer, ou destruir, a autoestima e de determinar o comportamento social. 

A opinião do grupo pode começar a valer mais que a dos próprios pais. Para os meninos, o fato de serem desajeitados com bolas e na coordenação motora, ou até no entendimento de jogos coletivos complica a aproximação de outros garotos. O menino com Asperger sabe que ele vai ser o último a ser escolhido para o time e isso o faz se esquivar da amizade de algumas outras crianças do sexo masculino.

 A procura por amigos do outro gênero pode dar ao menino com Asperger a pecha de “inimigo” ou fazê-lo assumir características próprias das meninas, como interesses e linguagem corporal. 

Uma boa atividade nessa fase são aulas de teatro, em que a criança vai desenvolver e treinar a linguagem corporal, tom de voz e expressões faciais. Além disso, ela vai “ensaiar” situações sociais.

Pré-adolescentes e adolescentes

 Eles precisam de aconselhamento sobre a puberdade e como ela afeta a maneira de pensar e agir, além das mudanças na natureza dos relacionamentos e na sexualidade.

A autora Isabelle Hénault tem obras específicas sobre sexualidade para adolescentes com Asperger.

 

Socialização na escola

Caio/Pexels
Caio/Pexels

Na escola é importante lembrar que, sem a intervenção, condução ou apoio de um professor, a reação de uma criança com a síndrome pode ser de rejeição e ridicularização, em vez de aceitação e inclusão nas atividades.

As crianças tendem a procurar conversar mais com adultos do que com os pares, porque têm um temperamento mais maduro e são menos agitados. Os adultos também são mais pacientes para ouvir aos interesses especiais da criança.

A criança com Asperger pode interpretar uma conversa amigável com uma amizade, e uma amizade como uma possessão. Por isso é difícil para ela entender como alguém pode brincar com ela num dia e no outro não querer brincar. Para quem tem Asperger, parece traição.

O fato de a criança com Asperger querer brincar sozinha muitas vezes afasta possíveis amigos que entendem não serem bem vindos.

Ausência dos sinais sociais

O autor usa a metáfora na qual compara uma criança com Asperger a um motorista que, apesar de saber conduzir um carro, não entende as convenções próprias da direção. É como dirigir sem entender o que dizem as placas e os códigos não escritos que previnem acidentes. Não sabe o que significa o sinal vermelho, a placa de preferência ou de manter a distância do outro veículo.

A criança com Asperger tem dificuldade de reconhecer os sinais, expressos ou implícitos, que previnem acidentes sociais. Um exemplo disso é a honestidade que a leva a ganhar a pecha de “dedo-duro”. Na verdade, é honesto dizer a verdade, mas não é bem aceito “entregar o colega”.

Quando um professor limpa a garganta fazendo um som “aham”, não consegue entender se ele está com uma irritação na laringe, se está brava ou se está brincando.