Houve a época em que Asperger nem considerado autismo era. Isso é coisa recente, de 2013 pra cá. E vamos combinar: é até meio glamuroso dizer que seu filho pode ter a Síndrome de Asperger. O Bill Gates tem; o moço do The Good Doctor, dizem até que o Einstein – na época pré-pré mapeamento genético – também teria. Ou seja, seu filho é um gênio, só que incompreendido. Isso te conforta.
Na vida real não é bem assim. Ele é o menino que cria fantasia o tempo todo, que parece estar sempre no mundo da lua quando, na verdade, ele tá atrasando a casa toda porque não escova os dentes pra ir pra escola. Entra no banho (com óculos de mergulho, devo entregar) e esquece o que foi fazer ali embaixo do chuveiro porque começou a contar os quadradinhos no revestimento da parede e esqueceu da vida. É alguém que tem profundo interesse por navios e legos, mas absoluto desprezo pelos probleminhas de matemática do dever de casa.
Fato é, no caso do meu menino, ele tem Asperger porque ele tem dois cromossomos a mais. E esses dois cromossomos podem complicar as coisas pra ele, seja na escola, pra ter amigos, ou pra ter namorada, ou pra ter filho, ou pra jogar futebol. O que será que ele vai ser quando for adulto? Não tenho a menor ideia…
Eu sou uma pessoa que tem Deus no coração. Eu não sei o que fazem os que não acreditam nele numa hora dessas… Ele sempre foi e sempre será minha fortaleza (eu não vou pregar minha fé, só tô dizendo que se você tá na mesma você precisa de um refúgio, porque o diagnóstico é uma faca girando no estômago e cortando suas entranhas).
Depois de olhar o diagnóstico, a consciência do que significa 48,XXYY permeou meus primeiros pensamentos do dia até a noite. Era sempre a primeira coisa que vinha à minha cabeça quando em abria os olhos de manhã. Passei uns quatro dias tomando pé daquela realidade que entra dentro de você pra ficar.
Depois desse tempo você começa a pensar: “peraí, esse não é um diagnóstico de doença, nem de estado terminal de nada”. Ele tem chance de ter uma vida até bem arrumada, cabe a mim fazer isso acontecer. É isso. Cabe a mim.
No quinto dia, eu levantei diferente, com punhos cerrados, mais forte e determinada.
Era hora de partir pra luta.